sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Linha de Passe


O diretor Walter Salles é conhecido pelos seus filmes de caráter humanista, que “denunciam” a vida sofrida dos brasileiros. Se o enfoque não for o sofrimento, é a força da classe menos favorecida em superar as dores de uma sociedade conturbada e com sua renda mal-dividida.


O filme retrata a história de uma das várias famílias que vivem na grande São Paulo. Cleuza (Sandra Corveloni), a matriarca, comanda com firmeza seus quatro filhos e “cuida” de um quinto que está para nascer. A trama vai passando de personagem para personagem dessa família de uma veracidade soberba. Reginaldo, o mais novo, tenta encontrar o pai que nunca conheceu. Dario está prestes a completar 18 anos, o que significa uma sentença de morte para aqueles que querem almejar uma vida de jogador de futebol profissional. Dinho tenta encontrar na religião a redenção para as suas atitudes anteriores e Dênis, que já tem um filho e tenta ganhar a vida como motoboy.


Linha de Passe (2008) define bem com seu título o desenvolver da trama. Cada membro da família tem seus problemas, dificuldades e dúvidas. É um jogo que vai passando de um para o outro e durante esse processo cada um dá apóio ao outro, como uma equipe que tenta sobreviver a este jogo difícil que é a vida. O trabalho de direção e dos atores está de uma naturalidade cativante. Para se prepararem para o filme, os atores viveram juntos um certo período de tempo durante a produção. Os laços criados são transferidos para a tela. Conhecendo um pouco a atriz Sandra Corveloni, seu prêmio em Cannes de melhor atriz pelo filme Linha de Passe é mais do que merecido, mas sua atuação só pôde ser feita por causa de todo um trabalho de direção e suporte para manter a veracidade da produção.



O longa-metragem é um misto de ficção e documentário. Walter Salles e Daniela Thomas revelaram em entrevista que os atores cercavam-se de pessoas reais durante o filme. João Baldasserini (Dênis) interpretava junto de verdadeiros motoboys que enfrentam o trânsito caótico de São Paulo. José Geraldo Rodrigues (Dinho) atuou junto de pessoas que eram crentes. Vinicius de Oliveira (Dário), que durante o filme não lembra em nada o garotinho Josué de Central do Brasil (1998), jogou futebol com garotos que realmente tentam mostrar seus talentos durante as peneiras realizadas pelos clubes.


Linha de Passe realmente tem muitos passes, mas nenhum gol. Não há uma finalização, por esse motivo alguns críticos podem ter taxado o longa de “chato”. Acredito que Walter Salles e Daniela Thomas escolheram o caminho da não finalização justamente para manter esse nível de realidade que o filme exprime. Se desse um desfecho triste ou feliz, estaria decretando a ficcionalidade da trama, ou seja, é melhor deixar o público se envolver e se identificar com a história de vida desses personagens e não dar um fim, dando-nos a impressão que Cleuza, Dário, Dinho, Dênis e Reginaldo ainda estão por aí. Mas se analisarmos com cuidado a idéia do filme, realmente existem várias Cleuzas e seus filhos por toda São Paulo e por todo o Brasil.



Nota: 8



Rafael Sanzio

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Queime Depois de Ler


Os Irmãos Coen são independentes o suficiente para não ficarem deslumbrados com Hollywood. Tanto que se dão ao luxo de criarem uma comédia descompromissada sem pretensões de arrecadar mais uma estatueta do Oscar para a estante da família. Os diretores de Onde os Fracos Não Tem Vez (2008) apresentam uma comédia de humor negro, satirizando o mundo de aparente intrigas e segredos da espionagem.


A história tem seu início com Osbourne Cox (John Malkovich), analista da CIA, sendo transferido para um cargo burocrático o que ele responde com sua demissão. Revoltado, decide dedicar-se a escrever suas memórias sobre sua vida na agência. Contudo, seus segredos caem nas mãos de uma dupla de cretinos, Chad (Brad Pitt) e Linda Litzke (Frances McDormand), que trabalham em uma academia, que vêem a oportunidade de ganhar dinheiro com essas informações. A trama ainda envolve a mulher de Osbourne, Katie Cox (Tilda Swinton) que o traí com o segurança que trabalha para o governo, Harry Pfarrer (George Clooney) que por sua vez tem a estranha sensação de estar sendo vigiado, o que vai lhe causar muitos problemas.


O filme brinca com a paranóia existente nos filmes de espionagem, todos criam uma fantasia em torno desse mundo, criando situações desnecessárias justamente porque acham que essa é a linha que se deve tomar no mundo dos espiões. E engraçado ver que os verdadeiros espiões da trama não entendem as motivações dos personagens que estão envolvidos nessa confusão. Em Queime Depois de Ler há muitos momentos de silêncio, para contemplarmos os absurdos e a paranóia sem sentido que existe nas cenas.


Como nos filmes de espião, há a presença de seqüências usando teleobjetivas ou a trilha de suspense típicas desse estilo de filme. No início a trama pode demorar para engrenar, mas com a chegada do conflito que é a perda do cd das memórias de Osbourne, Queime Depois de Ler cria o ritmo necessário para prender a atenção do público.



As atuações estão equilibradas com o clima que o filme exige. Brad Pitt está fantástico como o idiota que trabalha na academia (destaque para a seqüência onde ele tenta fazer “cara de mal” para chantagear Cox), George Clooney aparece como um segurança que nunca usou uma arma, viveu toda uma vida de adrenalina sem extravasá-la e isso é evidenciado por seus vários tiques nervosos. Frances McDormand também se destaca com a mulher que faria de tudo para conseguir suas cirurgias plásticas, de tudo mesmo! A única atuação que destoa das outras é a de John Malkovich, o ator dá uma interpretação afetada ao personagem, o que incomoda, pois para o seu personagem era condizente uma postura mais firme ou ao menos mais máscula.


Queime Depois de Ler é uma grande piada. O próprio filme admite que não ensina nada, na seqüência onde os agentes da CIA tentam buscar, em vão, algum tipo de aprendizagem com tudo isso. Os irmãos Coen criaram uma sátira ao mundo da espionagem com a idéia principal de que há mais mistérios e intrigas em um relacionamento conturbado do que nas agências do Governo.



Nota: 8,5



Rafael Sanzio