Novamente tive oportunidade de assistir mais curtas (Obrigado Torquato!). Kiarostami já demonstrava em seus curtas o interesse no neorealismo, em todos os quatros curtas há a presença de crianças. Mas ao final de cada película aparece o nome de uma entidade que busca o desenvolvimento da criança e do adolescente, talvez seja o motivo pelo qual esses curtas possuírem um teor bem didático para os jovens. São eles: O Pão e o Beco (1970); O Recreio (1972); Duas soluções para um problema (1975) e O Coro (1982).
O Pão e o Beco apresenta a história de um garoto que caminha alegre levando o pão para a casa. A música acompanha a alegria até o menino chegar nessa viela onde se encontra um cão que late imediatamente contra ele, é engraçado ouvir a música “brochar” diante da paz que foi perturbada. O garoto então fica no dilema de como passar por aquele local, a princípio fica com medo de enfrentar o problema. Ele poderia muito bem pegar outro caminho, mas não o faz. Chega um momento que ele decide passar pelo cachorro, mas este vai atrás dele, rapidamente o menino joga um pedaço de pão e o cachorro come, ficando amigo rapidamente e seguindo o garoto pelo trajeto até em casa. Chegando dentro de casa o menino espertamente deixa o cachorro do lado de fora, este que fica triste e deita em frente da casa. Passa algum tempo e eis que surge outro garoto carregando comida para casa e o cão late, terminando o curta. É interessante a mensagem de que se pode passar pelos problemas alimentando ou agradando o obstáculo para depois deixá-lo para trás. Pela posição do cachorro no final deu a entender que aquilo deve ter acontecido mais de uma vez. Não é à toa que o cachorro estava com raiva. Mas assim que eu terminei de digitar isso, pensei em outra leitura. De como o cachorro pode ser esperto e conseguir assim seu alimento do dia. Latindo para jovens desavisados que para escaparem jogam um pedaço de comida e assim o cachorro sempre está de barriga cheia. Que cachorro malandro...
O Recreio já começa com o jovem Dara de castigo. Um texto e uma voz em off narra o que aconteceu com o menino, de castigo por quebrar uma vidraça. O plano que mostra o garoto a princípio não dá para ver a janela quebrada, mas quando a imagem fica mais perto pode ver o rosto do menino pelo buraco do vidro. Quando este vai apanhar por ter feito isso, Abbas decide então desfocalizar o garoto e deixar a atenção na janela quebrada. Reafirmando que o motivo do castigo é aquela janela quebrada. Em seguida o menino sai do colégio na hora da saída e se mete em uma confusão com um garoto e o curta mostra a partir daí o percurso gigantesco que o menino faz para escapar de seu agressor. Não consegui ler muita coisa nesse curta. É como dizem sobre as obras de Kiarostami “filmes onde tudo e nada acontece”.
O Recreio (1972)
O Coro (1982) é o muito interessante. O enredo segue o cotidiano de um velho que tem problemas de audição e usa um aparelho que o faz escutar. Os sons desse curta são bem nítidos e logo percebemos como a cidade em que o velho vive é barulhenta. Por isso imaginei que o coro estivesse relacionado com o coro da cidade. Com um ambiente tão barulhento, homens conversando alto por causa dos trabalhadores de rua martelando ferro entre outras coisas, o velho usa seu aparelho como "cano de escape", retira-o para viver em paz e o silêncio impera no curta nos momentos que o protagonista escolhe viver em paz consigo mesmo. Engraçado imaginar que atualmente as pessoas usam o mesmo sistema para relaxar ou se ver livre do mundo, mas esse relaxamento vem com mais barulho! Graças aos ipods e mp3 (4,5,6). Ainda acompanhamos o senhor caminhando pela cidade até chegar em casa, que por sinal, na rua perto está um homem usando uma britadeira. Em casa para relaxar o velho retira mais uma vez o aparelho, nota-se a luz na casa nesse momento, dando uma aparência quase divina com a paz que reina agora que não existem mais sons. O problema é que suas netas voltam da escola, passando pelo homem da britadeira e outros conversando (o que me faz crer que é um aviso de onde a surdez poderia ter começado no velho), mas como o avô delas está sem aparelho, não escuta as meninas. E logo começa o coro das netas para que o avô abra a porta. E a cada cena vai aumentando a quantidade de crianças, ajudando as garotas. Até que chega o momento que dezenas de criancinhas estão gritando para o avô que ouve mesmo sem aparelho. Ele coloca o aparelho, vai até a janela e sorri. Mais uma lição para os jovens: “unidos, vocês podem ser ouvidos”.
Ótimos curtas. Agora é hora de ir atrás de filmes clássicos que ainda não assisti!
Rafael Sanzio
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