segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Crítica dos Clássicos: Janela Indiscreta

Hitchcock é considerado um dos grandes diretores de cinema e possui o título de mestre do suspense. Dirigiu filmes como Festim Diabólico (1948), Psicose (1960) e Pássaros (1963). Em Janela Indiscreta (1954) expõe o público ao vouyerismo já existente em todos aqueles que assistem a um filme, mas que com o uso da câmera subjetiva nos torna mais invasivos do que antes.

Na trama o fotógrafo profissional J.B. Jeffries (James Stewart) está em uma cadeira de rodas por causa de uma perna quebrada e é obrigado a ficar preso dentro do seu apartamento. Enquanto o tédio aumenta, surge a obsessão em passar o tempo bisbilhotando a vida de seus vizinhos através de sua janela. Quando começa a suspeitar que o vizinho vendedor possa ter matado a própria mulher, Jeffries conta com a ajuda de sua namorada Lisa (Grace Kelly) para desvendar esse mistério.

Podemos observar a proposta temática de Hitchcock sobre o “espetáculo da vida alheia” com a abertura inicial, com as cortinas das janelas abrindo-se como uma cortina de um teatro. O começo do filme nos coloca imediatamente no lugar de um bisbilhoteiro, com a câmera praticamente subjetiva (apesar de não estar no ponto de vista de ninguém) enquanto percorre pelo apartamento de Jeffries, olhando avidamente para as fotos do personagem, para ele mesmo e percorre o apartamento por inteiro onde descobrimos as causas de seu acidente e o seu modo de viver. Esta cena inicial é também uma das poucas cenas onde a focalização narrativa não está no protagonista.

A câmera subjetiva é o plano de câmera mais importante nessa obra. É ela que nos coloca sob a ótica do personagem principal, conferindo-nos a própria pele de um vouyer. Como um grande diretor que é Hitchcock não comete o erro de deixar apenas a visão da câmera subjetiva, ele sempre mostra a reação de “Jeff” a tudo que ele está vendo. Ou seja, há a chance para o público se identificar com o herói, não criando assim um distanciamento desnecessário que diminuiria a potência dramática do filme como aconteceu em A Dama do Lago (1938) de Robert Montgomery. É com a câmera subjetiva que testemunhamos outro ponto interessante no filme de Hitchcock: as sub-tramas perpetradas pelos vizinhos do personagem principal. Há a bailarina amadora, o casal recém-casado, a mulher solitária, o pianista, o casal com o cachorro, a velha artista plástica excêntrica e o vendedor suspeito com sua mulher enferma.

A trilha sonora é quase que completamente composta por músicas diegéticas, provenientes do piano do vizinho compositor ou de algum rádio ligado. Esse uso diegético do som profere ao filme uma verossimilhança com a realidade, tanto que o único momento que o som causa um impacto de irrealidade é na música não-diegética nos créditos iniciais, mas o mesmo está fazendo referência a abertura de um espetáculo.

Para a mentalidade cinematográfica atual graças a Hollywood, o filme pode ser considerado lento. Essa mesma perspectiva pode ser gerada pelo já desgastado uso do suspense “Hitchcockiano”, Janela Indiscreta como outros filmes do diretor já possuem remakes ou modernizações como o filme Paranóia (2007) com Shia LaBeouf no papel principal e o brasileiro O Outro Lado da Rua (2004) com Fernanda Montenegro.

Mas é necessário evidenciar a maestria com que Hitchcock trabalhava com o suspense e a surpresa, o diretor sabia diferenciar esse dois elementos da narrativa. A surpresa acontece quando o público é arrebatado por algo que não esperava que acontecesse, enquanto que o suspense é algo que o público conhece, mas que a personagem desconhece. Exemplo de surpresa nesse filme em particular é a seqüência em que todas as suspeitas pareciam infundadas e de repente um grito alerta para a morte inesperada do cachorro. O suspense bem explícito é a seqüência onde a personagem de Grace Kelly está dentro do apartamento do vizinho e apenas o público, juntamente com Jeff e sua enfermeira sabemos que o possível assassino chegou a casa. Hitchcock utiliza-se da paralepse quando mostra apenas para o público que o vendedor saiu de casa acompanhado de uma mulher, criando assim para nós a expectativa de qual vai ser a reação de Jeff ao descobrir esse novo elemento da trama.

Jimmy Stewart não possui os padrões de um galã tradicional, mesmo sendo, sua condição de impotência e gesso na perna não ajudaria em seu charme, mas sua condição de personagem comum facilita na identificação com o público. Já a atuação de Grace Kelly está bem mais “viva” do que em Disque M para Matar (1954) e Hitchcock nos confere uma cena em particular com um close no belo rosto da atriz. Os vizinhos praticamente utilizam-se de uma atuação teatralizada por causa da distância na câmera igualando-se com a própria distância de um palco de teatro, isso não ocorre nas cenas onde Jeffrie usa do binóculo ou tele-objetiva da câmera ou na seqüência da morte do cachorro na qual as personagens da bailarina e mulher solitária aparecem em primeiro plano.

Janela Indiscreta detêm muitos exemplos do estilo de direção de Hitchcock, a fotografia da seqüência onde Jeff fica finalmente próximo ao seu suspeito possui várias sombras em posições significativas. Como a sombra no rosto de Jeff, pois como era ele que invadia a privacidade dos outros ele tenta permanecer como personagem anônimo e a réstia de luz apenas nos olhos do assassino deixando-os mais penetrantes e ameaçadores.

O mestre do suspense não irá perder esse título, mas o constante uso de seus elementos narrativos na atualidade pode gerar o desgaste de suas obras. Mas não para aqueles que respeitam os clássicos e que sabem diferenciar os originais das cópias.


Nota: 9


Rafael Sanzio