quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O Banheiro do Papa


“Los Quileros” como se chama no Uruguai as pessoas que saem da fronteira de um país para o outro, para comprar produtos mais baratos e revendê-los no país de origem. Contrabandistas, caso queiram deixar o sentimento de lado e partir para a realidade. Pois percebemos que há uma diferença entre aqueles que tentam sobreviver, sustentar a família com esse trabalho ilegal e aqueles que querem enriquecer mesmo de forma ilícita. No filme, a representação dos pobres que tentam sobreviver são aqueles que fazem a travessia de bicicleta, enquanto os mais gananciosos usam motocicletas.


Mas esse é apenas o meio de vida do protagonista do filme, a história é baseada em fatos reais, sobre os preparativos para a visita do Papa João Paulo II, em 1998, na cidade de Melo, no Uruguai. A classe pobre vê nessa visita uma possibilidade de enriquecimento, uma possível fuga para a miséria em que vivem. Todos decidem montar barracas de comidas para os milhares de visitantes prometidos pela televisão. Contudo, Beto (César Troncoso) tem a idéia de fazer um banheiro, já que vai ter tanta comida o povo vai precisar usar algum, além do mais vai diminuir as chances de concorrência.


Como em Umberto D., Beto não é um personagem agradável. Ser uma pessoa simples e pobre poderia fazer com que tivesse o apreço do público. Contudo, para mim, ele é uma pessoa orgulhosa, egoísta, machista e que só tem atenção para suas próprias idéias. Essas atitudes podem ser explicadas pelo desespero do personagem de querer ser bem sucedido na vida. Sua obsessão pela idéia do banheiro vai degradando cada vez mais sua moral, impondo suas vontades sobre a filha, traindo a confiança dos amigos e chegando ao ponto de quase ser violento com a mulher.


A mistura de atores profissionais e atores não-profissionais deu um ar bastante realista ao filme. Os atores profissionais se destacam com suas boas atuações, mas essa mixagem nos deu a impressão de estar assistindo um testemunho da vida real daquele povo da cidade de Melo. Esta veracidade que falta em alguns filmes de drama, que tem sua excelente carga emocional de interpretação mas que no final das contas continuamos a reconhecer aquilo como um filme, não algo real.


Ainda na parte técnica vale salientar o uso inteligente do som para explicar situações sem precisar de falas ou cenas adicionais. Na seqüência onde descobrem as pilhas na sacola de erva, o diretor coloca uma trilha específica para esse momento, pois será usada mais tarde, para as reflexões do personagem sobre o assunto. É usada também, oportunamente, numa seqüência onde Beto vai buscar trabalho após esse fato ter ocorrido, o dono da mercearia indica que tem trabalho e sai por alguns instantes. É nesse momento que volta a trilha do caso das pilhas, o homem da mercearia volta e diz que não tem mais trabalho para Beto. Não precisou de nenhuma cena adicional, mostrando alguém contando a história do contrabando para o homem, bastou apenas a trilha específica para deduzirmos que algo do gênero aconteceu. Uma sacada inteligente por parte dos diretores.


Em seu desfecho, O Banheiro do Papa nos faz questionar os motivos pelos quais aquelas pessoas de Melo se jogaram tão cegamente na tentativa de enriquecer. Ingenuidade ou Desespero? Para mim foi ambos e não precisava ser a vinda do Papa, creio que qualquer evento de grande porte lá estaria o povo da cidade tentando sair da miséria. Infelizmente foi a visita do Papa e o milagre que o povo esperava não veio. Como última cartada , o filme deixa uma seqüência de “fotos”, como um registro da desolação que aquela passagem religiosa naquele dia, deixou para o resto da vida de todos os cidadãos da cidade de Melo.


Nota: 9


Rafael Sanzio

Um comentário:

Rafael Sanzio disse...

Ainda há questões à serem discutidas sobre o filme. Mas preferi não contar o filme todo na crítica.

Mas por aqui pode-se abrir a discussão sobre qual é realmente a cena mais emocionante do filme?