sábado, 4 de julho de 2009

Crítica dos Clássicos: Laranja Mecânica



Após 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968), Stanley Kubrick segue com a temática futurista em Laranja Mecânica (1971). O Filme, adaptado do romance de Anthony Burgess, chocou a sua época com a violência que apresenta em todas as formas, físicas, políticas e sociais de uma Inglaterra do futuro de 1995.

A história do filme é contada na visão de Alex (Malcom McDowell), líder de uma gangue de delinqüentes juvenis que praticam nas noites de Londres o que eles chamam de “ultraviolência”, isto é, noites regadas de espancamentos, roubos e estupros. A trama apresenta uma reviravolta quando o jovem líder mata uma de suas vítimas e logo em seguida é traído pelos membros de sua gangue ocasionando em sua prisão. No instituto penitenciário, o anti-herói torna-se voluntário de um experimento patrocinado pelo governo onde o indivíduo tem seus impulsos violentos controlados. Contudo, o tratamento que o “condicionará ao bem” demonstra ser tão violento quanto às delinqüências cometidas por Alex no começo do filme. Ao ser solto, percebemos que o jovem não consegue adaptar-se, pois fica indefeso diante das brutalidades que a sociedade comete contra ele.

Jorge Ghiorzi (on line) explica esses dois momentos do filme: “Laranja Mecânica expõe duas formas distintas de violência, cada qual com suas origens e conseqüências. Existe a violência do indivíduo, ancestral e intrínseca no ser humano quando não reprimida pela convivência social, e existe a violência do Estado, institucionalizada, amparada pela Lei e justificada pela manutenção do status quo e controle do coletivo. O filme de Kubrick trata destas duas formas dedicando a cada uma delas metade do filme”. É nessa segunda metade do filme que há uma clara crítica à hipocrisia social, pois a sociedade que taxa Alex como violento o recebe de volta com a mesma violência.

Graças a Laranja Mecânica, podemos fazer uma comparação desse abusivo tratamento de condicionamento humano com o poder utilizado hoje em dia pelas mídias de alguns países, sublimando doutrinas e tirando o livre arbítrio das pessoas.

A atuação de Malcom McDowell como Alex DeLarge é brilhante, separando bem as duas fases do personagem, antes e depois do tratamento. A fase final apresenta um cinismo e aparente recuperação que põe em xeque se é realmente verdadeira a reabilitação do jovem delinqüente. Mas analisando todo o decorrer da história podemos julgar que Alex continua o mesmo de sempre, apenas com seus impulsos violentos controlados pelo tratamento. Stanley Kubrick, que raramente fala sobre seus filmes, revelou que se não contasse com McDowell para o papel principal, não teria rodado nenhuma das cenas.

Quanto à trilha sonora, o diretor ousa e brinca com a música. Além da presença marcante da música eletrônica composta por Walter Carlos, o filme apresenta músicas clássicas que, na época, seriam difíceis de imaginá-las como cúmplices durante um ato de violência. Como Alex, fã de Beethoven e adorador da 9ª Sinfonia, que reclama (na seqüência onde ele está sobre tratamento) o fato de ser obrigado a escutar a 9º Sinfonia como trilha de barbaridades no filme que assiste. É o que o próprio Kubrick faz e o que o próprio jovem comete na seqüência no qual estupra a mulher do escritor Frank Alexander enquanto canta Singin’ in the Rain, do clássico Cantando na Chuva (1952) de Gene Kelly.

A combinação de direção de arte, figurino e fotografia constroem uma interessante Inglaterra futurista, mas que ainda possui certa influência dos anos 70. Destaque para seqüência onde a gangue está reunida no pub preferido deles, onde parecem estar posando para uma foto que representa a delinqüência fazendo planos para seus atos de “ultraviolência”.

Em relação à direção de Kubrick, é inegável o fato de ser um inovador do cinema e sempre ousado em suas temáticas. Na seqüência onde a mulher é morta por Alex com um pênis gigante, o diretor opta por uma animação para demonstrar o quanto o golpe foi violento. O jornalista Carlos Gerbase (on line) define o diretor: “Kubrick era, enfim, um rebelde. Fazia o filme que queria, do jeito que queria. Preferia não filmar a filmar o que não lhe agradava, Preferia ser chamado de imoral a ser chamado de omisso. Kubrick nunca fez um filme que não dissesse alguma coisa. Kubrick era um discurso, que às vezes até podia soar ambíguo, mas era sempre coerente”.

Ao final do filme, Alex se diz curado. Mas não porque se tornou um homem do bem, mas porque voltou a ser o “velho” Alex onde os impulsos do tratamento não mais dominavam e agora estava protegido pelo Estado. O desfecho do filme é uma das duras críticas à hipocrisia social, pois o mesmo Estado que condenou Alex, ao fim o beatifica, pois é do seu interesse que o anti-herói esteja do lado do governo.

Laranja Mecânica recebeu 4 indicações ao Oscar por Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Edição. Além de 3 indicações ao Globo de Ouro por Melhor Filme em Drama, Melhor Diretor e Melhor Ator em Drama (Malcom McDowell). Foi proibido de circular pelo Brasil, sendo liberado em 1978, com as inesquecíveis bolinhas pretas sobre as genitálias dos atores. Mas acima de tudo, Laranja Mecânica ganhou o respeito de diversos críticos de cinema e o apreço do público durante sua trajetória cinematográfica. Tornou-se um filme cult e inovador, por sua temática polêmica e direção primorosa. Kubrick criou um clássico.

Nota: 9

Rafael Sanzio

6 comentários:

Nadja Marinho disse...

Meu caro, numa breve pesquisa pela maravilhosa igreja do Google acerca do filme que agora comento, encontrei teu blog. Das críticas, no entanto, que li a respeito do Laranja Mecânica, confesso que não achei uma tão completa quanto a tua.
Se atualizarmos um pouco sua história, verifica-se que que hoje Alex DeLarge seria rotulado como um pitboy que com sua gangue faz arruaças pela cidade. Ele é, no melhor estilo Capitão Nascimento, um fanfarrão: atacou o Estado, ao descumprir as normas positivas e morais, e mais tarde recebeu o troco – um tratamento desumano que o impedia de lutar contra a violência que contra ele se praticava.
Creio, entretanto, que Alex soube aproveitar essa fragilidade a que foi exposto a seu favor, de modo que a mão que na segunda metade do filme bateu vem ao final, na figura do ministro do interior, afagar, dando-lhe, como visto, nova oportunidade em troca de silêncio.
Vi em outro lugar, mas agora reproduzo: Laranja Mecânica é Kubrick em sua melhor forma.

Abraço

Rafael Sanzio disse...

Obrigado Nadja, espero que esta crítica tenha lhe ajudado de alguma forma.

Unknown disse...

gostei, imparcial!

Ailandson -UFG disse...

Olá, achei brilhante teu comentário, comteplou com magnificência a temática do filme. Alex, o anti-heroí, mostra-se o típico deliquente, estigmatizado pela sociedade. Acerca de tal problemática veio-me a mente a célebre frase de um jurista romano antigo a qual dizia que deliquente era, justamente, o cidadão normal que fora pego em flagrante, isto é, todos nós carregamos um pouco do Alex dentre de nós a qual o estado insiste em reprimir com sua hipocrisia vedando ao índividuo seu livre arbitrio, suas inclinações, paixões e impulsos que são caracteristicas fundamentais que nos distiguem dos aniamais brutos, irracionais.
kubrikc demostra com brilhantismo o quão pretensioso é o estado em querer reabilitar o "deliquente" como se de fato fosse possível. Percebe-se claramente um viés da racionalidade socrático-platonico, como definida por Nietzche, intesificada pelo cristianismo mais tarde em extremar o que seja bem e o mal, além de preconizar uma busca infinda pela verdade, criando necessariamente uma lógica da excluasão. Fazendo analogia deste pensamento Nietzcheano percebemos claramente um posiocionamente de uma sociedade moralista, hipócrita e preconceituosa que utiliza do seu poder e demais artificios para marginalizar aquele que não não comungam de sua ideologica, ou seja, não se submeta à sua hegemonia e seja um corpo dócil.

Luana b. disse...

muito bom, gostei muito
me ajudou bastante.
obrigada

Anônimo disse...

Por favor, não compare o Alex com o Capitão Nascimento!